Em meio a uma campanha relativamente monótona para as eleições municipais de 2024, a grande novidade é um coach e influenciador de extrema direita que capturou parte do bolsonarismo, à revelia do próprio Jair Bolsonaro, e ameaça chegar ao segundo turno na disputa para prefeito da maior cidade do Brasil.
Pablo Marçal, candidato pelo pequeno PRTB em São Paulo, ocupou o noticiário nas últimas semanas ao levar uma cadeirada de seu adversário José Luiz Datena (PSDB) em um debate na TV, porém já vinha monopolizando as atenções da corrida eleitoral paulistana com uma metralhadora de ataques abaixo da linha da cintura contra seus rivais.
A tática imita a trajetória de Bolsonaro, que ganhou fama nacional com declarações homofóbicas e pró-ditadura na TV, e, até aqui, vem dando resultado: Marçal aparece em terceiro lugar nas pesquisas, mas em empate técnico com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato de Bolsonaro, e Guilherme Boulos (Psol), apoiado pelo presidente Lula (PT).
"Marçal se localiza dentro de um nicho que a gente pode chamar de coaches da prosperidade, que ganhou muita força nos últimos anos, em particular na pandemia. Esses coaches, diante de um cenário de dificuldades, têm uma forma muito carismática de se colocar e manter o vínculo com os seguidores", diz à ANSA a cientista política e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Thais Pavez, que estuda o fenômeno do bolsonarismo.
Com 37 anos, Marçal tem uma fortuna de R$ 170 milhões, segundo o patrimônio declarado à Justiça Eleitoral, e participação em empresas de diversos setores, incluindo imobiliário e educacional. Também arrebanhou uma multidão de seguidores nas redes sociais (13 milhões no Instagram, 3,7 milhões no YouTube e 2,6 milhões no TikTok) como coach de empreendedorismo. Antes de ganhar fama, foi condenado em 2010 a quatro anos e cinco meses de prisão por participação em um esquema de fraudes bancárias na internet em 2005, mas não cumpriu a pena, extinta por prescrição. Sua primeira aventura na política foi a candidatura a presidente em 2022, retirada contra sua vontade porque seu partido na época, o Pros, decidiu apoiar Lula. Agora ele se lança em São Paulo e tenta se colocar como líder de um eleitorado que defende pautas como a defesa da assim chamada família tradicional e das armas, proibição do aborto, empreendedorismo, tudo entremeado por um discurso "muito próximo ao anarcocapitalismo", de acordo com Pavez. Mas com uma diferença: ao contrário de Bolsonaro, que foi deputado por quase 30 anos antes de se eleger presidente, Marçal é realmente um outsider na política.
"A novidade do Marçal é que ele é um nativo digital, símbolo de um movimento novo que ganha força após a pandemia, de influencers indo direto para a política. Essa dinâmica impacta a própria política tradicional, que é associada a algo que não resolve os problemas das pessoas. Nesse sentido, Marçal é, de fato, mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro", salienta a cientista política.
Bolsonaro sempre demonstrou pouca disposição a aceitar voos solos de seus aliados, e todos que romperam com ele pagaram um preço nas urnas. O coach, no entanto, parece desafiar essa lógica, já que se mostra competitivo mesmo tendo sido criticado publicamente pelo ex-presidente, que apoia Nunes em São Paulo.
"O movimento bolsonarista é muito capilarizado e enraizado na sociedade, e existe um processo de surgimento de novas lideranças que vão incorporando esses valores. Vai ser um desafio para Bolsonaro lidar com essas novas lideranças carismáticas, ao mesmo tempo em que ele ainda é visto como grande líder", diz Pavez.
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