Às vésperas da cúpula dos Brics em Joanesburgo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixa claro - se é que ainda não o fez - que o ritmo mudou, e que o encontro será tudo menos rotineiro.
O líder brasileiro anunciou poucas horas antes do início do encontro que vai propor aos seus homólogos da Rússia, Índia, China e África do Sul a adoção de uma moeda única comum para "permitir maior comércio sem depender da moeda de um terceiro país" - subentende-se que seja o dólar americano.
A mensagem é inequívoca: os Brics - que valem um quarto da riqueza mundial e representam 42% de sua população - não querem mais ser considerados um bloco de "série B", mas uma plataforma a partir da qual veiculará uma alternativa à via ocidental.
Além disso, o encontro contará com a presença do presidente da China, Xi Jinping, que voou para a África do Sul para aquela que é a sua segunda missão no exterior depois de visitar seu "querido amigo", o homólogo russo, Vladimir Putin, em março, com o objetivo de fortalecer a influência de Pequim entre os países em desenvolvimento e emergentes, em meio a relações cada vez mais deterioradas com os Estados Unidos e tensões econômicas domésticas, com destaque para a crise no setor imobiliário.
A viagem de Xi à África do Sul é também uma resposta ao presidente dos EUA, Joe Biden, que na sexta-feira (18) recebeu os líderes do Japão e da Coreia do Sul em Camp David em um encontro histórico - uma "mini-Otan", acusou Pequim - para cimentar a cooperação militar contra as provocações norte-coreanas e a assertividade da China, responsável por "comportamentos perigosos e agressivos" no Mar chinês meridional.
Estar em Joanesburgo representa outra oportunidade para o líder chinês avançar em sua visão de uma ordem mundial alternativa aos arranjos ocidentais liderados pelos EUA, cada vez mais explícitos pela polarização alimentada pelas tensões geopolíticas sobre a guerra na Ucrânia.
A estratégia também é confirmada por fontes de Pequim ao jornal "Financial Times", segundo as quais a intenção da China é pressionar os demais Brics para que se tornem um bloco rival do G7.
Segundo fontes, se os Brics crescerem e atingirem uma participação no PIB mundial semelhante à do grupo dos sete, sua voz será mais ouvida. Mas a ideia não convence a todos: vários países, de fato, acreditam que o bloco deve ser um clube não alinhado, para servir aos interesses econômicos dos países em desenvolvimento.
Enquanto isso, o anfitrião da cúpula, Cyril Ramaphosa, enfatizou que "não se deixará envolver em uma competição entre potências mundiais" no contexto da guerra na Ucrânia, e que a África do Sul "embarcou em uma política de não-alinhamento".
O país até agora se recusou a condenar Moscou pela invasão russa, alegando favorecer o caminho do diálogo e atraindo críticas do cenário internacional.
Com a participação de Vladimir Putin limitada a videoconferência devido ao mandado de prisão internacional pendente sobre ele por crimes de guerra na Ucrânia - Lavrov estará presente -, é claro que Xi será o foco do encontro que terá que decidir sobre a ampliação do grupo.
Segundo Pequim, são mais de 20 candidatos, e Lula também insistiu nesse tema que lhe é caro, destacando como "a cooperação entre os países do hemisfério sul é fundamental para o enfrentamento das desigualdades, da crise climática e para um mundo mais equilibrado e justo" e se mostrando favorável à entrada da Arábia Saudita e da Argentina, mas também do Irã.
Entretanto, há quem já esteja pesando as consequências de uma possível adoção de uma moeda única do Brics. De acordo com Robert Kiyosaki, conhecido empresário e escritor norte-americano, que já escreveu alguns livros em conjunto com Donald Trump, com uma possível moeda comum do bloco "o dólar vai ser frito".
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