Os bloqueios feitos por bolsonaristas em rodovias de todo o Brasil desde a segunda-feira (31) estão sendo estimulados pelo silêncio do atual presidente, Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas no último domingo por seu rival Luiz Inácio Lula da Silva, apontam especialistas consultados pela ANSA.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), até às 11h25 desta terça-feira (1º) ainda existem 134 pontos de interdição e 84 bloqueios em rodovias de todo o Brasil.
As interrupções já foram alvo de uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que ordenou a remoção de todos os atos no país. O plenário do Supremo também já formou maioria para apoiar a decisão.
Nas ruas, os apoiadores de Bolsonaro acusam as eleições de "fraude" e chegam a pedir por uma intervenção militar.
"Creio que, na realidade, esses protestos estão se mantendo justamente pelo silêncio do Bolsonaro. O [Donald] Trump precisou fazer um discurso para convocar os apoiadores dele para o Capitólio, mas para esse capitólio rodoviário bastou o Bolsonaro ficar quieto. No que ele não reconhece a vitória do adversário - depois de ter feito todo aquele discurso de contestação da credibilidade das urnas eletrônicas, de questionamento de isenção da justiça eleitoral - ele na verdade incitou esse movimento", diz o cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV EASP), Claudio Couto, à ANSA.
Couto ainda destaca que "o silêncio retumbante do Bolsonaro é um meio que ele encontrou para fazer com que essas manifestações acontecessem".
A mesma linha de pensamento tem a cientista política do Instituto de Estudos Avançados - IEA/USP e do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública, DOXA/IESP/UERJ, Carolina Botelho, que considera toda a situação "no mínimo, muito preocupante".
"Ele se mantém em silêncio e, nesse silêncio, as forças que de certa forma foram estimuladas ao tipo de comportamento golpista, de não reconhecimento legítimo da decisão da maioria, ele acaba estimulando. [Além disso], com esse silêncio, estimula essas forças paramilitares porque a gente está vendo grupos ligados ao aparato do Estado participando desses movimentos. Então, assim, ele acaba estimulando que isso transcorra", acrescenta à ANSA.
O fato de Bolsonaro ainda não ter reconhecido a vitória de Lula publicamente também é apontado por Botelho como um "problema" para este momento.
"As pessoas votaram por rejeitar o governo dele e por tirá-lo do poder, a mudar a liderança no Executivo. Não satisfeito, ele não se pronuncia, não responde devidamente aos ritos da democracia que são de parabenizar o seu opositor pela vitória e fazer o ritual de passagem de uma liderança para outra, inclusive para seus apoiadores", pontua.
A cientista política ainda ressalta que há outra questão, que é o fato de que Bolsonaro é o chefe do Executivo até 31 de dezembro deste ano e "tem a capacidade burocrática e de liderança para implementar políticas para conter" os atos antidemocráticos.
"A gente não precisava depender do STF, ou do próprio presidente do TSE, de interferir nessas questões em razão dele ser o Executivo. Ele é o gestor, é a liderança em exercício no Brasil, é o comandante das forças. Então, esperava-se que ele tivesse um comportamento de liderar a ordem e não é o que a gente está vendo", disse ainda Botelho.
"E é preocupante porque a gente sabe que é o chefe do Executivo com inclinações antidemocráticas, que passou quatro anos no exercício de seu cargo falando em golpe, em romper com instituições da democracia. Nesse momento, está se mostrando completamente antipático e desrespeitoso com a vontade da maioria da população brasileira", destaca ainda.
Para Couto, porém, é preciso "não cair na armadilha de Bolsonaro de convocar as forças armadas para remover manifestantes das estradas porque é tudo que ele deseja".
"Acredito que isso é uma coisa que ele está fazendo também para tentar justificar a convocação das Forças Armadas para uma GLO, uma ação de garantia da lei e da ordem. Porque aí enfim, com as forças armadas na rua, vai criando um ambiente mais favorável a um eventual questionamento dos resultados [das urnas] com uso de força armada", diz à ANSA.
O cientista político destaca, por exemplo, que a postura da PRF nas manifestações mostra que ela está "mais aliada dos manifestantes do que como uma polícia, ou seja, não está desocupando as estradas".
"Ou seja, se posicionando claramente como uma força partidária, o que é uma loucura, mas mostra o ponto que a gente chegou: o ponto de ter um governo que partidarizou as polícias e que transformou as polícias em suas", acrescenta.
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