Da lição de Regensburg ao caso Vatileaks, da reabilitação de um bispo negacionista a um discurso negado na Universidade de Roma La Sapienza. Os quase oito anos de pontificado de Bento XVI, até sua histórica renúncia, coincidiram com um período de fortes turbulências na Igreja e de crises nas relações externas, devidas em grande parte a incidentes de percurso que marcaram a permanência do pontífice alemão no trono de Pedro.
O discurso de Regensburg
Um discurso de Bento XVI na Universidade de Regensburg, na Alemanha, em 12 de setembro de 2006 foi visto por muitos como uma perigosa "gafe".
A citação de uma frase do imperador bizantino Manuel II Paleólogo a propósito da guerra santa - "Mostre-me o que Maomé trouxe de novo e encontrará apenas coisas ruins e desumanas, como a ordem de difundir a fé por meio da espada" - provocou reações no mundo islâmico, que a considerou ofensiva, com grandes protestos nas ruas.
Sucessivamente, o então Papa, durante um Angelus transmitido até pela Al Jazeera, se disse "vivamente arrependido", especificando que não concordava com o pensamento contido no texto e convidando o Islã ao diálogo.
Outras frases de Ratzinger sobre a necessidade de proteção internacional aos cristãos coptas do Egito determinaram o rompimento do diálogo com a Universidade de Al-Azhar, no Cairo, principal instituição do Islã sunita. A reaproximação só aconteceria sob o pontificado de Francisco.
O discurso recusado
Em 15 de janeiro de 2008, sob pedido do reitor da Universidade de Roma La Sapienza, o Papa foi convidado a discursar na inauguração do ano acadêmico. Tal escolha foi criticada por 67 docentes da instituição, o que fez a Santa Sé recusar o convite e provocou grande polêmica no mundo político, jornalístico e universitário.
A reabilitação do bispo negacionista
Uma medida adotada por Bento XVI provocou desavenças com judeus. Em 21 de janeiro de 2009, Ratzinger revogou a excomunhão contra quatro bispos lefebvrianos e, no mesmo dia, uma TV sueca divulgou uma entrevista na qual um deles, o britânico Richard Williamson, negava o Holocausto.
O Grão-Rabinato de Israel adiou alguns encontros com o Vaticano, e Bento XVI, em uma audiência geral uma semana depois, pronunciou palavras claras para contestar todas as formas de negacionismo, expressando solidariedade aos judeus.
Até a então chanceler alemã, Angela Merkel, criticou o Papa pelo episódio, mas o Vaticano alegou que o pontífice não conhecia as posições negacionistas de Williamson.
O caso Vatileaks e o mordomo infiel
Um escândalo mundial sem precedentes ocorreu em 2012, com o vazamento de documentos sigilosos do pontífice, muitos dos quais revelavam tramas de corrupção no Vaticano. Os arquivos foram obtidos pelo mordomo "infiel" Paolo Gabriele, o laico mais próximo ao Papa, e acabaram no livro "Sua Santidade", de Gianluigi Nuzzi.
Em 24 de maio, poucos dias após a publicação do livro, "Paoletto" foi preso pela Gendarmaria e trancado em uma cela no Vaticano. "Os eventos dos últimos dias trouxeram tristeza a meu coração", disse Ratzinger na ocasião. Após um processo de quatro audiências, o mordomo foi condenado a um ano e meio de reclusão.
Em 22 de dezembro, Bento XVI foi até a cela de seu ex-ajudante e lhe concedeu perdão, faltando menos de dois meses para sua clamorosa renúncia.
A carta de Viganò
Ratzinger também protagonizou um incidente de percurso após sua renúncia, em uma carta enviada em janeiro de 2018 ao então prefeito da Secretaria de Comunicação da Santa Sé, Dario Edoardo Viganò.
Na missiva, Bento XVI recusava um convite para escrever uma "breve e densa página teológica" como introdução de uma coleção de volumes com o título "A teologia de papa Francisco", além de expressar juízos sobre um teólogo alemão de quem não gostava e que estava entre os autores selecionados.
Inicialmente, apenas alguns trechos da carta foram divulgados, incluindo aqueles em que Ratzinger descrevia Jorge Bergoglio como um "homem de profunda formação filosófica e teológica". O caso provocou a renúncia de Viganò, acusado de censurar o documento. (ANSA)
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